quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Eva viu a Imagem

          Tribos do Marrocos contam uma história: Eva passeava pelo Jardim do Éden, quando a serpente se aproximou.
          - Coma esta maçã - disse a serpente.
           Eva recusou.
          - Coma esta maçã porque você precisa ficar bela para o seu homem - insistiu.
         - Não preciso - respondeu Eva - ele não tem outra mulher além de mim.
          A serpente riu:
          - Claro que tem.
          E como Eva não acreditasse, levou-a até à beira de um poço, e mandou que olhasse a mulher escondida no fundo. Eva debruçou-se e viu, refletida na água do poço, a imagem de uma linda mulher . Na mesma hora, comeu a maçã, e perdeu o paraíso para sempre.
          Pergunta-se: quem enganou Eva? A serpente ou a imagem? Era uma imagem nítida? Havia luz suficiente no local? A que distância estava?... A má interpretação de uma imagem pode conduzir a erros? É evidente que sim...E o que se pode fazer para evitar?
         Refletir sobre a imagem e analisá-la de diferentes pontos de vista, desde sua concepção ( quer se trate de uma pintura, escultura, fotografia, desenho, etc.).
Paul Delvaux "O Espelho" 1936

Movimento
          Se a imagem se movimenta ( ou treme), tem boas chances de alongar-se ou encolher-se, alterando sua forma. Se é o espectador quem se move, então pode ter muitos ângulos de observação, e portanto alterações de imagem.
Luz
          A imagem modifica-se quando exposta à luz natural ( claridade ou penumbra) e à luz artificial. Projeção de luz colorida sobre a imagem altera completamente a superfície iluminada.
Tempo
          Condições climáticas ( as estações) influenciam a percepção da imagem. Também o tempo de exposição (ex: se a pessoa observa por alguns segundos a imagem, só poderá reter uma impressão geral das formas, mas se demorar algum tempo na observação, perceberá detalhes.
Espaço ( distância)
          À medida que a imagem afasta-se do observador, ela perde a nitidez. Á grande distância, não se pode dizer se uma silhueta é homem  ou mulher.
Suporte ( onde se assenta)
          Os suportes possibilitam diferentes tratamentos da imagem. Existem imagens pintadas sobre muros, paredes, sobre madeira, sobre tela, tecido, etc. outras são esculpidas, talhadas, modeladas, construídas. Imagens desenhadas sobre papel, impressas em fotos, digitalizadas e projetadas no espaço. E imagens naturais, como a que enganou Eva.
Precisão
          Uma imagem pode ter contornos bem definidos, de traços nítidos, ou ter contornos borrados, meio apagados, indefinidos e diluídos no fundo.
Produção
          A imagem pode ser produzida por um artista independente, por um grupo a serviço de uma mecenas ( financiador), por uma instituição religiosa, por um grupo empresarial, por uma agência de propaganda,por uma agência especializada em produções artísticas, pelo governo, por partidos políticos. A própria natureza produz imagens na superfície das rochas, no céu, no mar, etc.
Finalidade
          Uma imagem serve para deleite e expressão do próprio artista; para cumprir tarefas de magia; para adoração religiosa; para meditação; para reverência e adoração de líderes; para delimitar territórios e posses; para reconhecimento de grupos nacionais, esportivos, empresariais; como provas criminais; para identificar indivíduos e fatos; para induzir ao consumo; para prevenir; para intimidar; para confundir;  para criar toda sorte de ilusão nos diferentes caminhos da arte; para celebrar a vida, quando é imagem da própria natureza.
Identidade
          Uma imagem pode ser idealizada, isto é, a soma das qualidades de uma pessoa (ou objeto) que o artista tem em mente, ou pode ser a cópia fiel realizada a partir de minuciosa observação de detalhes da pessoa (ou coisa) retratada. Ela também pode ser alterada ou adulterada com diferentes técnicas de produção. Isso possibilita maior ou menor identificação com o original.
 
          Bem, esse é um pequeno estudo, mas já é um começo para não se deixar enganar pela imagem, pois, segundo os marroquinos, volta ao paraíso aquele que se reconhece no reflexo do poço, e não teme a si mesmo...
Joan Miró "Mulher ao Espelho" 1956

         
         
        

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Estilo

          Sobre as descobertas artísticas, escreve E. H. Gombrich, no seu livro Arte e Ilusão  ( ed. 2007): "A História da arte, (...), pode ser descrita como o ato de forjar chaves-mestras para abrir fechaduras misteriosas dos nossos sentidos, cuja chave original só a Natureza tinha. São fechaduras complexas, que apenas se deixam penetrar quando diversos parafusos ficam de prontidão e certo número de trincos são movidos simultaneamente. Como o arrombador que tenta abrir um cofre-forte, o artista não tem acesso direto ao mecanismo interno. Pode apenas apalpá-lo com seus dedos sensíveis, sondando um gancho aqui e ajustando outro ali, quando alguma coisa cede lá dentro. Naturalmente, uma vez aberta a porta e feita a chave, fica fácil repetir a proeza. Quem vier depois não precisa ter discernimento especial - basta-lhe a capacidade de copiar a chave mestra de seu predecessor".
          Significa dizer que  frequentemente os artistas estudam as obras  uns dos outros, e assim transformam seus estilos, inventam outras possibilidades a partir da experiência bem sucedida de seus predecessores: os gregos aproveitaram a experiência dos egípcios, os romanos dos gregos, a arte medieval guardou herança da Antiguidade clássica, com simplificação do naturalismo e agregação de elementos da fé cristã. O Renascimento tornou-se uma estrutura que se deixou penetrar pela revisão, buscava reviver o antigo, e foi mais longe: fez descobertas como as leis da perspectiva, a profundidade, a sombra projetada, a representação dos objetos à distância, à luz natural do sol. O maneirismo, barroco e rococó acrescentaram outras invenções. Mas todas inspiravam-se de algum modo na "imitação da natureza".
          Já os artistas modernistas vão pouco a pouco abandonando as representações naturalistas (onde o espectador entra pela "janela por onde se pode olhar a cena"), em busca de novas ilusões por onde se pode viajar, mas apenas com a vista, num espaço RASO. Dadaísmo, cubismo, fauvismo, surrealismo são movimentos que  surgem quase ao mesmo tempo no rastro da modernidade.. Mais tarde, aparecem  vários tipos de arte conceitual ( que trabalham a IDÉIA mais que a forma), e o desconstrutivismo.
          Sobre arquitetura e estilo, escreve Viollet-le-Duc em L´Architecture Raisonée :
" O estilo é, na obra de arte, a manifestação de um ideal estabelecido sobre um princípio. O estilo pode alastrar-se como uma moda, há então o estilo absoluto e o estilo relativo. Estilo absoluto domina toda a concepção, o estilo relativo segue a destinação do objeto. Exemplo: um estilo que convém a uma igreja, não convém à casa, mas a casa pode deixar transparecer o estilo da igreja". Será então um estilo relativo. Do mesmo modo, se um estilista de moda inspirar-se na obra de um pintor.
          Por conta disso, cada pessoa, por sua iniciativa, pode eleger um estilo para decorar sua casa, fazenda, consultório, escritório, etc. As obras de arte devem combinar com o estilo do lugar, e  dependem do gosto de cada um.
          Saber vestir-se adequadamente em diferentes horas do dia, e várias ocasiões demonstra bom senso, perspicácia e estilo. As roupas, acessórios e objetos pessoais revelam as personalidades. Mas o importante é não se perceber limitado pelas  tendências da moda.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Biblioteca Infantil

         É muito fácil organizar uma biblioteca infantil. Basta atentar para alguns detalhes que a diferenciam da biblioteca dos adultos, e dotá-la dos equipamentos adequados, segundo as condições e possibilidades do lugar. Alguns ítens tornam a biblioteca infantil quase ideal, porém, o mais importante é o destino que se dá aos livros, isto é, o bom aproveitamento deles.
          Aspecto físico:
1- Local claro, silencioso, arejado e fresco, de preferência em contato com a natureza.
2-Sala de leitura com estantes baixas, mesas e cadeiras na altura das crianças, espaço para fazer uma rodinha, a saber: um simples tapete com almofadas, ou um piso elevado semi-circular com dois degraus onde as crianças possam sentar e ouvir histórias.
3-Sala anexa à sala de leitura para atividades relacionadas aos livros.
4-Banheiros com pias e sanitários baixos para meninos e meninas.


          Acervo:
         A organização do acervo pode ser feita por autor ou catalogação simplificada. Todas as bibliotecas municipais têm pessoas competentes que podem orientar a catalogação. A participação da comunidade é fundamental.
          Acervo mínimo ideal:
1- Contos de fadas, fábulas, lendas regionais internacionais . Autores: La Fontaine, Irmãos Grimm, Charles Perrault.
2- Lendas brasileiras: histórias de origens  indígena, africana e portuguesa; folclore nacional.
3- Enciclopédia infantil ilustrada: livros sobre animais, vegetais, carros, aviões, navios, profissões, esportes, culinária, higiene, etc., e tudo o que possa enriquecer a experiência e conhecimento do mundo. Júlio Verne.
4- Histórias em quadrinhos.
5- Coleção Monteiro Lobato completa, com adaptações e vídeos. Cecília Meireles para crianças.
          Autores de histórias ( como selecionar):
          O livro infantil não precisa ser exemplo de virtudes, mas precisa ter algumas qualidades que o tornam atraente, interessante, enriquecedor e divertido, além de transmitir valores positivos e otimistas. Não deve conter discriminações raciais, sociais , nem religiosas; todos os assuntos podem ser abordados como temas, se forem tratados adequadamente, com sensibilidade e respeitando a idade da criança.
          Temas relacionados à natureza ( plantas, animais, o tempo, o espaço, os astros, o mar, mudanças de estações, etc. ) agricultura, meio ambiente, esportes e viagens em geral são muito bons. O próprio corpo, as dificuldades e cuidados em lidar com ele.Os relacionamentos afetivos e solidários com a família, grupos, colegas virtuais, etc. Os hábitos comuns: ultrapassados, irritantes, repetitivos, divertidos, inesperados, inexplicáveis, desconcertantes, gentis, modernos, etc. A vida, a realidade, a imaginação, a verdade, a mentira, o passado, o futuro, a ilusão e a desilusão. A formação do cidadão: responsabilidade social, escolha, voto, omissão. A arte: a comunicação, a palavra, a linguagem, a interpretação. Enfim, é infinita a variedade de temas, mas o essencial é que questione a relação da criança com a vida de modo produtivo.
          Alguns bons autores:
          Ruth Rocha, Sylvia Orthof, Ana Maria Machado, Eva Furnari, Angela Lago, Eliardo França e Mary França, Ziraldo, Rogério Andrade Barbosa, Rui de Oliveira, Paula Saldanha, Maria Mazzetti, Joel Rufino dos Santos, Pedro Bandeira e  Lygia Bojunga.
          Ler, contar, compreender e interpretar:
1- A leitura do livro deve ser feita em som claro, não muito alto, respeitando as palavras e a pontuação do texto. Se for uma longa história, ler um capítulo de cada vez. Um dia por semana é suficiente.
2-A história contada precisa ser memorizada antecipadamente. Existem muitas técnicas de contação de histórias, desde a mais antiga de narrar os fatos em sequência, dar tempo para as crianças irem assimilando, conduzir ao clímax e desfecho final. Atentar para os gestos adequados, a  voz que sugere a ação do personagem, o ritmo, enriquecer as imagens descritas, abrir possibilidades para a imaginação. Técnicas como repetir uma palavra chave ( por exemplo: tic- tac) sempre que o narrador disser relógio, é uma maneira de manter as crianças atentas. Ou bater duas palmas quando o narrador disser... ( a palavra chave). Usar ainda recursos como música, ou teatro, a saber:
          Desenhar os personagens em cartolina, colar lixa  atrás e apresentar sobre uma placa revestida de flanela ( flanelógrafo), construir teatro de sombras, fantoches, luvas com os personagens, tapetes mágicos, caixas surpresa com personagens dentro, baú da vovó, personagens duplos ( fazer uma boneca de pano com uma grande saia dupla, de um lado tem corpo de bruxa, do outro lado corpo de princesa) e contar a história virando e alternando  os lados com as duas mãos. Fazer um boneco com personagens diferentes frente X costas e ir alternando conforme a narrativa.
          São algumas idéias que facilitam a contação de histórias e devem ser preparadas com antecedência pelo professor. O programa ABZ do Ziraldo na TV Brasil apresenta diversas técnicas, além de entrevistar novos autores e ilustradores.
3- Interpretação:
          Após ouvirem a história lida ou contada, as crianças podem falar o que entenderam. O orientador não deve corrigir interpretações fantasiosas, recriações, variações dentro do mesmo tema. É próprio da criança inventar. Só corrigir interpretações totalmente erradas, que demonstrem que a criança não entendeu direito.
4- Atividades relacionadas ao livro:
          Cada história, na sua estrutura, linguagem ou ilustração pode sugerir a atividade relacionada, que será conduzida pelo professor, e realizada pelas crianças. Podem ser atividades de criação de texto ( oficina da palavra), atividades de artes plásticas( colagem, desenho, pintura, etc.), atividades de teatrinho, música, dança, ou jogos dramáticos. Neste blog encontrarão exemplos  em antigas postagens.
5- Pesquisas podem ser orientadas em conjunto com sites confiáveis na internet.
6- Empréstimos facilitados em número significativo para professores facilitam o bom aproveitamento e divulgação dos livros.
          De nada adianta ter uma linda biblioteca, se as pessoas não sabem como usar os livros, nem se interessam em folheá-los. A leitura de um livro requer concentração e atenção dirigida, enquanto  a televisão e os computadores são vistos " de passagem".  É necessário despertar o prazer de ler, e isso se faz com sabedoria, paciência, disciplina, inteligência, alegria e muito amor. O hábito da leitura se cria na infância, e se a pessoa chega à idade adulta sem gostar de ler, depois é difícil remediar.


         "Quem gosta de ler não morre só" - disse Ariano Suassuna.
         
         
         
         

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Arte contemporânea / viés antropológico

          Na atualidade a arte apresenta-se altamente fragmentada, absorve enxurrada de informações que atravessam o mundo em segundos, o texto e o contexto estão em modificação constante. Cada artista, na sua escolha solitária, funda a linguagem que melhor responde às suas preocupações. O interesse antropológico (relativo aos costumes, crenças, comportamentos, organização social) é maior do que o interesse pela estética da obra, embora a beleza não esteja completamente ausente.
          A dimensão conceitual ( significado profundo, revivido e repensado) emerge na execução prática, espécie de inventário coletivo com  sobreposição, acumulação e colecionismo de objetos significativos.  
         
        Kcho ( Alexis L. Machado) criou "A Regata" (1994), obra inspirada no êxodo dos cubanos que se arriscam na travessia marítima para os Estados Unidos. A obra é uma frota em miniatura, feita de madeira e restos de barcos e jangadas naufragadas que o mar lança de volta na ilha de Cuba. Triste memória fugaz de um problema que se arrasta sem solução.

          Alguns artistas brasileiros destacam-se nessa corrente:
          Siron Franco fez "Monumento às nações indígenas" (1990) em Goiânia. Levantou 500 colunas em concreto armado que em vista aérea formam o mapa do Brasil, e simbolizam tótens, com esculturas em relêvo e desenhos grafados em suas faces laterais. São representações de objetos rituais sagrados de diferentes povos indígenas, alguns anteriores à colonização. É um tipo de memorial que homenageia os primeiros habitantes do Brasil.
          Farnese de Andrade recriou sua experiência pessoal no contexto de uma família mineira problemática, e foi além, abordou questões políticas, sociais, religiosas, sexuais e a própria criatividade na obra de arte. Trabalhou com materiais descartados, lixo recolhido nas praias, e fez armários, oratórios, gamelas e ex-votos nada convencionais. Uniu peças díspares para testemunhar  de modo inquietante a memória de fatos políticos, retratos, símbolos da vida e da morte, o luto e a perda dos parâmetros existenciais num contexto histórico altamente desarticulado e terrivelmente comovente.

          Rosangela Rennó denuncia o esquecimento que está no fundo da memória massificada. Expôs álbuns de retratos de famílias, fotografias de prisioneiros, álbuns de casamentos - lembranças coletivas e pessoais que jazem no imaginário popular. Em 1993 declarou: " Gosto muito de ter consciência de ser perversa  com o código fotográfico, a sociedade, o rosto, a realidade. Talvez o desejo de mudar a realidade de certo modo...".
         
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          Atividades criativas de interesse antropológico podem ser realizadas em sala de aula pelas crianças: colecionar retratos antigos 3x4, fotos de casamentos, primeira comunhão, etc. e expor (em determinado dia) sobre uma mesa coberta de plástico transparente.
          Podem também colecionar álbuns de figurinhas, selos, imãs de geladeira, chaveiros, robôs, bonecas, carrinhos, etc. Melhor que a atividade faça parte de um projeto maior de tema aberto.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Cerâmica

          Data de cerca de 2000anos a.c. a chegada dos povos ceramistas ao Brasil. Fixaram-se inicialmente ao norte do país, na região da ilha de Marajó e Santarém. Faziam urnas funerárias e vasos com função utilitária. Como instrumentos de trabalho usavam pontas de ossos, pedras e flechas. Pincéis eram pêlos e gravetos. Tintas provenientes de pigmentos minerais retirados da terra.


          A provável fonte de inspiração decorativa provinha da observação da natureza: a sequência de ritmos com ângulos retos, agudos e obtusos eram oriundos da observação da pele das cobras e das escamas dos peixes; espirais, arabescos, volutas e círculos vinham da observação do entrelaçamento dos cipós;  a simetria da observação dos animais e dos homens (dois olhos, duas mãos, duas narinas, etc.)

          Modelavam em argila branca ou vermelha com técnica de superposição de rolinhos, que depois eram alisados com as mãos. Só com a chegada dos portugueses foi introduzido o torno de madeira.
          A queima da cerâmica indígena era feita em buracos na terra, onde cavavam degraus para depositarem as peças, que cobriam com folhas secas e galhos, onde ateavam fogo. Com os portugueses chegou o forno de tijolos.É muito prático e possibilita a queima de peças de grande porte.
           Hoje o  forno industrial é usado em espaços restritos. E o material necessário  : desbastadores, espátulas e argila são vendidos nas casas do ramo.

          Por ter sido sempre a mais antiga forma de arte brasileira (junto com a cestaria e a arte plumária) , a cerâmica responde a lembranças ancestrais e constitui uma das melhores atividades artísticas com finalidade terapêutica, além ser meio de expressão dos artistas que optam por trabalharem figuras em terracota, esmaltação, raku e outras modalidades.
          Crianças em situação de risco, pessoas em luto recente, desajustados sociais são muito beneficiados pela prática da modelagem em argila, porque recriam de forma simbólica situações difíceis, sublimam experiências constrangedoras, projetam na arte a ansiedade de tocar em algo ou alguém que se foi, buscam a harmonia e o equilíbrio na matéria e assim reconstituem o tecido psíquico que foi rasgado anteriormente por vivências infelizes. É uma terapia de superação.

         Igualmente a prática do mosaico, que demanda dar sentido a fragmentos de louças, pastilhas e pedras, com textura e cores diferentes, organizar espaços, congregar ritmos, criar formas, seguir desenhos e padrões, constitui atividade enriquecedora, fonte de alegria e união.. Para trabalharem com mosaico, as crianças necessitam proteção especial para os olhos. O material é vendido nas casas do ramo.
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"Tensão Escultural" de Andrey Zignnatto - primeiro prêmio do 4º Salão de Cerâmica de Curitiba
          

domingo, 3 de fevereiro de 2013

O valor da obra de arte


          Se "Arte é o que eu e você chamamos arte", como disse o crítico Frederico  Morais, então o valor da obra de arte é também o que eu e você creditamos a ela.
          Para o artista a obra vale pelas condições ( psicológicas, temporais, locais) em que foi criada,pela dimensão do projeto que representa ( um esquema, croqui para futuros aproveitamentos), pelo conjunto que faz com outros trabalhos do artista, pelo melhor ou pior resultado da experimentação, pelo valor sentimental, pela dificuldade ou facilidade em realizá-la ( habilidade com os materiais), pelo resultado imprevisível, pelo resultado satisfatório, pela estética (relação com a beleza e harmonia), e até pelo desejo de conservá-la consigo ou não.
          Sobre isso contam uma história interessante: um nobre e rico senhor foi visitar o atelier de Picasso. Examinou as obras uma a uma, mas considerou-as todas muito caras. Por fim, pegou um pequeno desenho e perguntou o preço. Picasso disse um preço altíssimo, maior do que os das pinturas expostas. Então o senhor perguntou porque custava tão caro....E recebeu uma resposta inesperada: porque tratava- se de uma idéia nascente de um projeto que ele precisava amadurecer. E quem sabe o que se tornaria futuramente? Uma pintura?... uma escultura?...uma estrutura armada?...um painel?...uma cerâmica?...Sendo assim, vender uma idéia é vender toda a obra.
          Para o museólogo, o valor da obra está ligado ao estilo, às correntes artísticas a que pertence, à originalidade dentro do mesmo estilo.  O material ( metais nobres, pedras preciosas, pedras em geral, qualidade do mármore ( com ou sem veios) , qualidade das tintas, pergaminhos, papiros,  papéis e outras especificidades técnicas. O estado de conservação da obra é importante porque se a obra está em bom estado tem maior valor. As boas restaurações apagam vestígios do tempo, limpam pátinas, poeiras, mofos e estragos sem alterar o estilo do artista.
          A própria trajetória da obra (aquisição, eventual roubo, recuperação, doação etc.) torna o obra mais conhecida e famosa, e portanto mais vulnerável. Isso engendra diferentes tipos de exibição, inclusive questões de segurança e distanciamento do público. O curador de uma exposição enfrenta a mesma problemática, inclusive a  lógica na disposição  das obras. O antiquário utiliza os mesmos princípios, porém precisa estar atualizado com o mercado de arte para fixar os preços.
          O historiador, por conhecer profundamente a obra e o artista, é o mais apto a valorar. E se os historiadores consideram Miguel Ângelo o maior entre os escultores, não é apenas pela beleza e perfeição de suas obras. Mas porque foi o único entre todos os demais que teve a coragem de atacar o mármore de grandes dimensões, sem haver feito antes um protótipo de igual tamanho em gesso, para tirar medidas idênticas em proporção. Ele fazia pequenos esboços em argila, e partia para a execução em grande escala. Requer muita confiança em si, pois desde que a matéria é retirada, a pedra é cortada, não dá mais para voltar atrás. Por conhecer todos esses detalhes é que a apreciação do historiador é bastante confiável.
        O crítico de arte (que é uma espécie de historiador) explica de forma acessível ao grande público a trajetória do artista e o significado da obra.
         O marchand ( ou comerciante) conhece a obra e sua aprovação por parte do público nos leilões e galerias de arte. Quando trabalha com artistas em rede, isto é, quando um grande grupo ou empresa realiza uma obra que deverá ser exposta em diferentes países, com prévia conexão midiática, então o valor monetário é fixado com antecipação.
          O colecionador costuma ser um amante da arte, um conhecedor diletante, alguém que adquire por prazer, desejoso de gozar um bem para sua satisfação pessoal e por muito tempo. Busca então afinidades eletivas.
          Hoje encontram-se colecionadores como Leon Kraushar, que disse ;" Eu nem mesmo olho os quadros, apenas sei que estão ali -- e que tenho a maior e a melhor coleção do mundo" (anos 60 séc. XX). Mas esse não é o perfil comum dos colecionadores, é um fenômeno da pop art norte americana.
          Para o professor a melhor obra é  a que pode elucidar questões da arte para que seus alunos compreendam a evolução e trajetória da obra no âmbito da história da arte.
          O expert (ou especialista) estuda o aspecto físico da obra: tipo de tinta, estilo de pincelada, qualidade da tela ou qualquer outro suporte. Possui aparelhos muito sofisticados para fotografar as camadas superpostas de tinta, e pode dizer com precisão se existe outro desenho embaixo da superfície visível. Pode também  confirmar ou não a autoria da obra, mesmo que ela não possua assinatura.
          O restaurador trabalha apoiado nas conclusões do especialista; ele conserta os eventuais danos e desgastes do tempo.
          Para o observador comum o valor da obra depende da profundidade de seu conhecimento, o que possibilitará uma avaliação superficial ou profunda acerca de todas as questões sutis do universo da arte. Culturas diferentes têm percepções diferentes. A idade , maturidade e experiência do observador concorrem para diferentes olhares, e podem variar bastante com o passar do tempo.
          Não se olha uma pintura do séc. XV da mesma maneira como se olha uma obra contemporânea de acumulação de materiais, uma video- instalação ou uma fotografia impressa num livro de arte . São linguagens diferentes que demandam critérios diferentes de fruição e de valor.
          Esse é um resumo bastante limitado. Naturalmente cada categoria poderá falar melhor por si mesma e ampliar o âmbito da discussão.
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Frederico Morais : O Trabalho do Crítico - Youtube