terça-feira, 2 de julho de 2013

Roteiro para ver Brennand

          Deixe o centro de Recife para trás, pegue uma estrada sinuosa em meio a densa vegetação, desbrave cantos e recantos, ponha todos os sentidos alertas, pois no final da estrada o espera uma grata surpresa.
          São sentinelas a postos ou arautos do mistério esses guardiães que nos dão as boas vindas?..

          .Propriedade protegida pelo gradil-símbolo do caçador das florestas, dirige solene o arco armado e a flecha certeira para o céu.
          Dentro da oficina Brennand, a fábrica dinâmica fervilha de trabalhadores: oleiros, ajudantes, aprendizes, jardineiros, projetistas, equipe de conservação. Em torno, o desdobramento dos jardins que se encaixam uns dentro dos outros.

          Ao lado da oficina, nos altos muros do templo-castelo, pássaros imóveis parecem suster o tempo, enquanto cisnes vivos passeiam sobre o piso cerâmico de modelos variados. 

No altar da vida, o ovo da procriação reina majestoso entre deuses polimorfos que cantam no silêncio da matéria.


          De onde vem tanta inspiração? - pergunta-se. Melhor abrir a porta transparente para encontrar a resposta. Quem são essas mulheres sensuais que brincam de esconde-esconde com o espectador, fugidias e à meia luz? Não consigo vê-las por completo, e sinto que algo mais grave, profundo, sub-reptício move-se nesse lugar... A menina estende-se provocativamente no sofá; a estudante cruza as pernas enquanto eleva os braços com languidez; alguém corre pelo beco da cidade; um cavalheiro resmunga ao ouvido da mulher; a noiva olha o espectador com enfado; as viúvas não revelam segredos, mas têm olhos duros e tristes; a história passada, presente, o registro das histórias. Em seus desenhos e pinturas Brennand observa sem ser visto, e respeita a integridade do corpo da mulher. As cores são naturais ou intensas, as combinações fazem-se pelos temas, e são tramas sutis.

         O recorte exterior que se vê ( ou se adivinha) entre pinturas - sob o olhar másculo de Brennand- não se encontra em suas esculturas.
          No galpão reservado às figuras em terracota, o mundo perde os parâmetros do real. Uma orgia de formas parece emergir do subconsciente de todos nós. Ali vivem seres mitológicos, heróis e perdedores, cavaleiros-andantes e animais que são gente ao mesmo tempo. É a vida e a morte que florescem em todas as suas possibilidades.

          É a intimidade posta a nu. São as aflições das castelãs, são os desejos não realizados, são as distorções. Olhares arregalados, olhares dúbios, olhares fugidios, mulheres sem olhos... Gente máquina, gente cachorro, flores-gente...

           Dois pescoços longos com bicos de patos enroscam-se amorosamente; um falo cai sobre uma bacia; um seio encontra uma coxa; os vermes proliferam na cabeça da serpente; um ovo se quebra; uma cabeça esfacelada; algo ( ou alguém) se sustenta sobre um pedestal insólito; o robot vermelho arrasta o corpo desajeitado; o crânio de um extraterrestre conversa com o de um soldado, que responde do interior do elmo entreaberto; uma cabeça dobra-se perigosamente sobre a nuca e expele veias intumescidas; o ventre guarda um ser que ainda não tem forma definida; o cardume passa alegre sobre o painel; as flores têm olhos salientes; os frades vigiam sob o capuz; tudo vive, tudo se transforma na dança psicodélica da mente efervescente e propícia.

         

Os poemas gravados nas paredes são registros dessa magnífica arte de rasgar o véu das aparências e mergulhar no poço dos sonhos, vagando incerto em  terras do sem fim...


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