quarta-feira, 13 de março de 2013

A nossa imagem

          No  Canal Brasil Roberto d´Ávila recebeu Domenico de Masi. O sociólogo italiano mostrou conhecer bem os problemas do Brasil. Fez uma comparação bastante interessante: disse que as telenovelas (por seu alcance midiático) cumprem um papel mais importante do que cumpriu a Capela Sistina pintada em 1541 por Miguel Ângelo.
          A obra ( O Juízo Final) tinha por finalidade traduzir em imagens relatos bíblicos, seguia a tradição que se iniciara na Idade Média de facilitar a compreensão daqueles que não sabiam ler, a maioria. Miguel Ângelo estudou a anatomia, expressões fisionômicas, gestos, panejamentos, cores e efeitos de pinceladas. Criou imagens idealizadas de Jesus e dos santos.  Pintou a si mesmo na pele que segura São Bartolomeu, o santo que foi esfolado vivo em martírio por não querer renunciar à sua fé.  Nessa obra, a arte imita a vida eterna dos que almejam a salvação em Cristo.
          Já as telenovelas brasileiras inspiram-se na vida real, encontros e desencontros vistos ou imaginados, espécie de desdobramento da Comédia Humana, obra maior de Honoré de Balzac. No entanto, falta-lhes o que de Masi analisa muito bem: a profundidade da experiência, a originalidade do contexto múltiplo cultural do Brasil.
          Aprofundar o olhar significa reler e repensar as obras de Gilberto Freire, Monteiro Lobato ( para adultos), Lima Barreto, Mario de Andrade, Pierre Verger, Sílvio Romero, Antonio Calado, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, Roberto da Matta, Arthur Ramos, Nina Rodrigues, João Ubaldo Ribeiro, Manuela Carneiro da Cunha, Alberto Costa e Silva, Eugênio Bucci,  Rubem Fonseca, Ariano Suassuna, Guimarães Rosa,  e tantos outros.
         
           A enorme audiência do incisivo meio de comunicação, difusão e transformação de costumes  (a tv) permite ao autor e roteirista dispor de poderosa fórmula de educação popular.

           Se na França a educação popular chegou com Diderot, efetivou-se quando a Revolução francesa ergueu a arquitetura falante e difundiu princípios como : "As virtudes do povo são os mais firmes sustentáculos da igualdade: civismo, concórdia, trabalho, economia e sabedoria".

            Mas no Brasil a educação popular ainda caminha lentamente. Para acelerar o processo, Domenico de Masi propõe um reposicionamento dos intelectuais brasileiros, atitude incisiva e consistente entre criadores e criaturas. Aprofundar o olhar e agir.

          Ler e repensar não quer dizer copiar, mas  encontrar embasamento para a criação de personagens verossímeis, com atitudes coerentes e lógicas,  que  engendrem transformações úteis do ponto de vista pessoal e social. Se a novela pode lançar modas (vestidos, sapatos, penteados, etc,) que são copiadas imediatamente, também pode direcionar o enredo para soluções inteligentes de superação das dificuldades coletivas: trabalho em equipe, invenções originais, propostas políticas e libertárias, efetivos assentamentos em lei das questões de ordem pública, redescoberta de hábitos saudáveis, valorização da auto- estima e da honestidade, elevação do nível de atuação dos personagens para que alcancem perspectivas de amplitude ética e moral. O futuro não é mais o que era, mas ainda é possível agir sobre ele.
          Nesse caso, a vida imitaria a arte, e todos teriam muito a ganhar com isso... Como é difícil observar a si mesmo! Obrigado a de Masi por ajudar-nos nessa difícil tarefa!
          Como declarou de Miguel Ângelo "reformar uma pintura não custa muito", mas pôr o mundo em ordem...

Sem autenticidade, sem educação, sem liberdade no seu significado mais amplo - na relação consigo mesmo, com as próprias ideias pré-concebidas, até mesmo com o próprio povo e com a própria história - não se pode imaginar um artista verdadeiro; sem este ar não é possível respirar."
Ivan Turgueniev -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
          O documentário "Walachai" de Rejane Zilles faz exatamente o que De Masi propõe:  nele o Brasil devolve ao mundo arte, beleza e sabedoria que recebeu dos alemães, hoje  readaptados ao sul do país, onde integram uma comunidade em perfeita harmonia com a natureza. Envoltos numa paisagem deslumbrante, descendentes gaúchos praticam  a agricultura natural, constroem seus próprios instrumentos de trabalho e transporte. São felizes em sua simplicidade, unidos por forte amizade, e desfrutam de um paraíso sem igual. Vale a pena assistir.



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