sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

As faces da beleza

          A Iconologia de Cesare Ripa, escrito em 1644, diz: "A Beleza deve ser pintada com a cabeça entre as nuvens; beleza cujo esplendor deriva da luz da face de Deus, da qual só se pode entrever a face, pois além das nuvens abre-se o reino do espaço infinito ou indefinido". Referia-se à representação alegórica feminina que estaria mais de acordo com sua concepção filosófica.
          Era em busca dessa perfeição, da qual só se pode ter uma parcial idéia, que militava a Escola de Belas Artes do RJ no ano 1970. Contava então com um corpo docente do mais alto nível de artistas consagrados no campo das artes plásticas.
          Depois da aula inaugural, que tinha lugar no salão nobre, cada mestre dispunha de um espaço adaptado à sua disciplina. A cadeira de Estética era ministrada pelo prof. Onofre Penteado, na pequena sala do térreo, à esquerda da entrada.
          Diante de um desenho de nu artístico (corpo feminino trabalhado com sutilíssima delicadeza de linhas, perfeito posicionamento de luz, volume suave e equilibrado, a carvão, obra prima de sua autoria) ali discorria o professor sobre os mistérios da beleza...Citava Platão e Aristóteles, e fazia comparação com os filósofos do Renascimento.
          Tinha um porte altivo, sem ser pedante, voz bem pausada e um estilo sóbrio de trajar. Parecia ele mesmo um pequeno deus que deixara o Olimpo por alguns instantes para trazer sabedoria aos pobres mortais...
          Os alunos, jovens sem experiência e com pouca leitura, faziam um esforço enorme para acompanhar a aula, que na verdade era uma conferência...
          Um dos alunos, impaciente que era, perguntava-se quando o mestre chegaria ao século XX, pois na sua limitada visão só importava a modernidade, o novo que viria...
          Passou-se um ano, e nada. Quando finalmente o aluno começou realmente a interessar-se pelos ideais de harmonia, virtude e beleza da Antiguidade Clássica, ocorreu um fato inesperado.
          No corredor lateral da escola, sob a vasta clarabóia,viu o prof. Onofre (de macacão sujo de tinta)   atacar com disposição um enorme painel com uma espátula pouco menor  que uma colher de pedreiro. Lançava com vigor a tinta sobre o painel, misto de entusiasmo e emoção. Que surpresa!...
          O projeto em si pedia concentração e determinação, pois as cores escolhidas (branco, vermelho, cinza e preto) são de difícil combinação. Os movimentos da espátula respondiam aos impulsos da vontade, eram firmes, seguros, e não demonstravam nenhuma hesitação. Impressionante, mágico, maravilhoso...Na verdade, era pintura moderna  dos anos 70 da mais alta qualidade....
          Por um bom tempo apreciou o aluno o desenrolar da prática. Mas nunca teve oportunidade de ver o painel finalizado...No entanto, aprendeu uma grande lição que não esqueceu jamais: nunca se deve   julgar um artista por uma só obra, nem um mestre por um só ensinamento. Na vida, o melhor mesmo é ser humilde, tentar compreender a mensagem do outro, e não julgar....
          Há um tempo certo para aprender. Cada instante tem sua poesia. É preciso saber aproveitar.

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