sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Três gritos e um sussurro

          Em 1895 o pintor norueguês Edward Munch realizou uma litografia que intitulou " O Grito". Nela vê-se o rosto de uma pessoa que tampa os ouvidos com as mãos, de olhos arregalados  e boca aberta , distorcidos. Está centralizada, e atravessa uma ponte, em cuja extremidade , à distância, duas figuras observam a paisagem, que parece ser de mar ou lago. Todas as linhas convergem para a caricatura expressiva. Por que grita? Ninguém sabe ao certo, mas alguns estudiosos acreditam tratar-se de uma supersensibilização quanto aos sons provenientes da natureza...
          Na mesma época ( 1888), no Brasil, a pintura a oleo sobre tela do brasileiro Pedro Américo foi igualmente apelidada " O Grito", pois celebra o revival da criação do estado-nação brasileira, inspiração romântica baseada no  Dia do Fico de D. Pedro príncipe regente, que proclamou  a independência do Brasil, às margens do riacho Ipiranga. Este momento histórico havia ocorrido em 1822, e em 1888 ainda viviam pessoas que o presenciaram.
          Então o pintor firmou contrato para realização do quadro, recolheu documentos relacionados,  empréstimos de artefatos bélicos e fardas utilizadas, relatos fisionômicos, foi duas vezes ao local para anotar acidentes de terreno da paisagem, e partiu para Florença, onde pintou-o com ardor cívico nacional, uma epopéia.


          Naturalmente, D, Pedro é retratado sobre um belo cavalo, farda de gala, na sua melhor forma, à frente do séquito igualmente imponente, sobre a colina do Ipiranga. Esperava-o a guarda de honra que o recebeu em São Paulo.*
          E enquanto D. Pedro viajava, no Palácio Real do Rio de Janeiro, D. Leopoldina, arquiduquesa da Áustria, sua esposa, construía um excelente acervo científico e cultural para a nação com o auxílio dos cientistas:  J. Spix e  C. F. von Martius, o zoólogo J. Natterer, o botânico H. W. Schott, o geólogo J. E. Pohl  -  e do pintor austríaco Thomas Ender, que chegou pouco antes de seu casamento com o D. Pedro.
          Thomas Ender era excelente aquarelista, e encontrou no Rio de Janeiro magníficas paisagens, com plantações e floresta tropical intacta. Ficou tão entusiasmado com o Brasil que escreveu: " (...) neste pedaço de terra, neste país imenso tudo era e é fusão. O arco-íris da fusão sediou-se aqui e reluz nas cores das florestas, nas cores das flores, como nas cores das pessoas, nas cores dos dias e das noites, nas cores das tempestades e do vento, as quais raramente se recolhem ao silêncio, à calmaria, pois em cada sopro há música e ritmo".
          Não era um grito de espanto, mas um sussurro de admiração e louvor.  Pintou o panorama da cidade, Botafogo, o aqueduto, o palácio de São Cristóvão, vista do convento de S. Teresa, o outeiro da Glória. Nos arredores o rio Pirahy e vistas de São Paulo. Entregou a D. Pedro 763 aquarelas e desenhos.
Rio de Janeiro
Campo de Santana / RJ
Fábrica de pólvora / RJ
Vista do Paço Imperial / RJ

          Felizmente a magnífica obra da arquiduquesa  da Áustria ao povo brasileiro não foi esquecida. Em 1996 a artista Rosa Magalhães ( carnavalesca, professora de Artes Decorativas da Escola de Belas Artes, muitas vezes premiada) rendeu-lhe justa homenagem na Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense. Pesquisou extenso arquivo histórico no Brasil e na Áustria, e representou na avenida toda a bagagem cultural   de tão elevado saber. Foi "O Grito" de carnaval mais alegre e prestigioso que um país pode enviar a  outro, sob forma de gratidão. Especialmente porque as fantasias, adereços, carros alegóricos, e tudo o mais foi realizado com a ajuda do  povo carioca...


          E se antes tínhamos uma flor que se chamava bastão do imperador, hoje temos outra que se chama rosa da imperatriz...
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* sobre Pedro Américo ler:  "Pedro Américo e o olhar oitocentista"  de L. R. B. Rosemberg,
Barroso Produções Editoriais, RJ, 2002.
         

          

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